Meus tios dizem que meu pai era um excepcional goleiro nos anos 60 e 70, lá no Mato Grosso, que depois virou do Sul. Poderia ter sido profissional, mas os tempos eram outros e ele não foi descoberto. Quando a partida era decidida nos pênaltis, não havia dúvidas, a vitória era do Estrela Dalva, time em que João Caiçara era o arqueiro. Vaidoso como era, usava uma linda camisa branca confeccionada pela minha mãe. No melhor estilo Raul Plasmann, então goleiro do Cruzeiro, que chamava a atenção com sua camisa amarela. Lamentavelmente nunca tivemos uma relação pai e filho, por consequência, não tenho maiores detalhes e, infelizmente, nem saudades.
Quanto aos demais goleiros, são considerados caras amaldiçoados porque eles estão lá para evitar o maior momento do futebol, o gol. Será por isso que onde pisam nem grama nasce? Será um castigo? Não sei, mas o fato é que eles nunca são reverenciados como os atacantes. Quase nunca são lembrados, exceto, basicamente, quando falham. O que é uma crueldade. Claro, que como toda regra, há as exceções.
Eu acompanho futebol desde 1979, e o melhor que vi jogar, disparado, foi Rodolfo Rodriguez. O uruguaio brilhou no Nacional de Montevidéo e se transferiu para o Santos em 1983, transformando-se em ícone. Não por acaso, até hoje é dele a maior sequência de defesas realizadas no mesmo lance, quatro e um chute na trave. Em partida válida pelo Campeonato Paulista de 1984, contra o América de São José de Rio Preto. Um pouco mais abaixo está São Marcos, jogador raro que consegue ser querido por todos os torcedores.
Bem, depois de citar estes três goleiros há um em especial, que merece, sobretudo, uma reparação: Barbosa. O camisa 1 do Brasil na Copa de 1950 ficou estigmatizado pelo fracasso da daquela Seleção. O Brasil já é penta-campeão de futebol, mas até hoje não assimilamos a derrota em 1950, em pleno estádio do Maracanã.
Pois é, um fracasso ocorrido há mais de meio século, mas que ninguém consegue esquecer. Pior do que lembrarmos da derrota é a deturpação dos fatos. Eu cresci ouvindo dizer que perdemos àquela Copa por culpa do Barbosa. Sempre que alguma matéria tratava o assunto, o importante era fechar dizendo que a culpa foi dele. Foi só em 1994, quando do lançamento do livro A Copa que ninguém viu, e a que não queremos lembrar, de Armando Nogueira, Jô Soares e Roberto Muylarte, é que ouvi alguém dizer que perdemos para um time que, se não era melhor que o nosso, era muito bom e tinha craques como Schiafino, Ghiggia, Mazzpoli e Obdúlio Varella, além da tradicional garra da Celeste Olímpica.
Perdemos um jogo em que podíamos empatar e ainda saímos na frente, já no segundo tempo. Seguindo o raciocínio do primeiro gol sofrido, quando Ghiggia tocou para Schiafino, Barbosa se antecipou ao cruzamento. O ponta, porém, não cruzou. Chutou entre nosso goleiro e a trave, fazendo o gol da virada. Começou ali, naquele dia 16 de julho, a maior pena já imposta a alguém no Brasil. Ela durou 50 longuíssimos anos, até o falecimento do ex-arqueiro. Barbosa faleceu em 7 de abril de 2000, numa sexta-feira ensolarada, na cidade de Santos.
Ao longo de 15 anos de carreira, fez parte de um dos principais times de futebol do Brasil, o Vasco da Gama na segunda metade da década de 40, também conhecido como Expresso da vitória. Foi no time cruz-maltino que o goleiro ganhou notoriedade e reconhecimento vencendo, inclusive, o preconceito por ser negro.
Confesso que quando li A Copa que ninguém viu... fiquei perplexo e, ao mesmo tempo, indignado por não ter aquela informação anteriormente. Justiça se faça a outros escritores que trataram do assunto, como Paulo Perdigão, por exemplo, em A Anatomia de uma derrota que só li em 2003, mas a grande imprensa, aquela que atinge um número maior de pessoas, nunca fez essa ressalva. Nunca se preocupou em pelo menos dar os fatos como eles aconteceram, aí cada um que tirasse sua própria conclusão. Mas não, pelo menos até agora, ela prefere manter o mito e a lenda vivos.
Ainda espero ver um especial sobre Barbosa para que não reste dúvidas de sua categoria e que, principalmente, se faça justiça a alguém que foi crucificado e sofreu calado a dor de uma derrota que não foi só dele, mas que ninguém pagou como ele. Ao Barbosa, minhas mais humildes desculpas.
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