AS QUATRO ESTAÇÕES
Os XXX Anos do disco da maturidade!
1989 - Quatro Estações foi exatamente o
tempo em que o álbum demorou para ficar pronto. Quatro estações também é o
tempo de um ciclo e a Legião Urbana considerava que o seu primeiro havia se
encerrado em Que País é Este 1978 / 1987,
muito embora essa pergunta ecoe em nossa cabeça até hoje. A violência
apresentada nas turnês, fundamentalmente em Brasília, a dúvida sobre os rumos
políticos do país, quando teríamos a oportunidade de eleger um presidente pelo
voto direto naquele ano de 1989, e, claro, a saída um tanto traumática de
Renato Rocha. Tudo isso pontuava a realização deste novo álbum. A saída do
baixista obrigou que todo o trabalho, até ali, fosse refeito.
Mais que qualquer outro disco,
desta feita a expectativa gerada nos fãs eram imensas, sobretudo depois da
brilhante matéria de Sônia Maia à Revista
Bizz, dividida em três edições. Nas poucas entrevistas que dava, Renato
falava da dificuldade de escrever as letras e compor as canções. No entanto,
esse processo não era novidade na vida da banda, uma vez que com o Dois não foi muito diferente. Começar do
zero, no fundo, era um desafio que eles gostavam.
Renato tinha a necessidade de
mudar a métrica de suas letras, mas não a temática. As Quatro Estações é um disco de amor, mas sem se esquecer a
política. Era para entrar na vida das pessoas, mas sem precisar arrombar a
porta. O poeta mostrou-se cada vez mais afiado. Capaz de unir Camões à Bíblia,
citar Buda e ainda falar do temor das drogas de forma peculiar. Renato voltava
ainda melhor. Dado e Bonfá também mostravam franca evolução e alguns arranjos
são simplesmente inesquecíveis. É assim no bandolim de “Eu Era Um Lobisomem
Juvenil”, bem como na batera e a guitarra de “Feedback Song For Dying Friend”.
O disco abre com “Há Tempos” que
dá bem a dimensão do seu potencial. Um rock característico da banda, com
violões, uma letra poderosa e sem refrão. Aliás, a Legião gostava de quebrar
regras. Letra sem refrão, disco ano sim ano não, assim como as poucas turnês e
quase nada de televisão. A balada “Pais e Filhos” resvala num blues, com letra
inspirada em suicídio e, fugindo à regra, um refrão que grudou nos ouvidos de
todo mundo que ouvia música em 1989/90.
Surpreendentemente a terceira
faixa, a já citada “Feedback...”, é um Heavy
Metal para deixar muito headbanger
com a cabeleira arrepiada, digna das principais bandas do gênero. Talvez a
faixa mais convencional do disco seja “Quando o Sol Bater na Janela do Teu
Quarto”, mas que traz citações da Doutrina
de Buda, além de alusão ao Mito da
Caverna, de Platão. No ano de 1989 ainda falávamos em lados dos discos e o
Lado A terminava com uma de suas melhores canções “Eu Era Um Lobisomem...”, que
tem um arranjo difícil de explicar. Seus teclados e bandolins funcionam à
perfeição aliados a uma letra com diversas interpretações. Aliás, o que dizer
de “Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo, prefiro acreditar no mundo do
meu jeito”? Pra se ter uma ideia desta canção, o jornalista André Forastiere,
que abertamente detestava Legião Urbana, a escolheu como a melhor música
brasileira de 1989, na Revista Bizz.
A letra mais política do disco
tratava do tema tortura, “1965 (Duas Tribos), e abria o lado B. Bem apropriado
a um país recém-saído de uma ditadura militar, mas como Renato disse, poucas
pessoas perceberam. “Monte Castelo” é um momento de lirismo, tanto na letra
quanto na música. Um momento de respiro depois de “1965...” e entrar na
enigmática “Maurício”, uma homenagem a um fã do grupo. Em “Meninos e Meninas”
Renato dava claros sinais de estar incomodado em não revelar sua orientação
sexual e deixou ali, claro, pra quem quisesse ouvir. “Sete Cidade” é uma das melhores deste disco,
com direito a Dado Villa-Lobos na gaita. Mais uma perfeita simbiose letra e
música de um Renato para lá de inspirado. Fechando o disco, “Se Fiquei
Esperando Meu Amor Passar”, termina com um ritual católico que canta “Cordeiro
de Deus que tirai os pecados do mundo tende piedade de nós”, de forma
emblemática, sintetizando o sentimento de amor que a Legião Urbana queria trazer
depois de um ano turbulento. Ou seja, a banda ainda soa muito atual.
As Quatro Estações têm 11
canções, das quais pelo menos 9 delas tocaram em rádio, umas mais outras menos,
mas tocaram. Um fenômeno que ratificou, definitivamente, o poder de uma banda
mística, uma banda ímpar.
Este disco foi o primeiro
lançamento que acompanhei in loco, já
que minha paixão pela banda foi despertada a partir de “Faroeste Caboclo”.
Impossível não me lembrar de como a 89 A
Rádio Rock, soltava vinhetas em todos os intervalos de sua programação com
chamadas para o lançamento do single “Há Tempos”, em setembro daquele ano. A
vontade de ouvir um grande disco era enorme e ao ouvi-lo, ela não só foi
atendida como amplificou a paixão que se iniciava. Desde a capa diferente, com
os três em fotos separadas, e aquele violão, criação de Fernanda Villa-Lobos,
que se tornou um símbolo da banda, às composições nada triviais. Foi aí que comecei a correr atrás de fitas de
shows, entrar pra fã-clube...
As Quatro Estações foi realmente um disco marcante.
Inesquecível!
Para ouvir no Spotify: https://open.spotify.com/album/7AMgXBVw9ViHswkQ71wyju?si=aScN5Nc7TCyzDx_1GpmUVQ
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