quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Adeus a Vladimir Carvalho #rockbrasilia #legiãourbana #plebe #capitalini...

E a vida não está fácil... Ontem Antônio Cícero, hoje faleceu o professor, cineasta e documentarista Vladimir Carvalho, aos 89 anos. Natural da Paraíba, Vladimir enveredou pelo cinema ainda nos anos 1950, comandando um programa de rádio, em João Pessoa. Na década seguinte fez parte do ‘Movimento Cinema Novo’ ao conhecer Glauber Rocha e Eduardo Coutinho. Nos anos 1970, tornou-se professor de Cinema na UnB. Em 2011, Vladimir lançou o excepcional documentário "Rock Brasília - Era de Ouro", contando a história das três principais bandas surgidas na Capital Federal: Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial. Além de sua obra, Vladimir também se notabilizou pela preservação de um acervo pessoal em memória do cinema brasileiro que incluía livros e equipamentos.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

O Rádio e Eu

 

Minha primeira interação com o rádio data de junho de 1979 e aconteceu por conta do futebol. Meus pais foram ao estádio do Morumbi assistir ao segundo jogo da Final do Campeonato Paulista de 1978 (não, você não leu errado e nem eu me equivoquei nas datas. O Paulistão ´78 começou em agosto de 1978 e terminou só em junho de 1979), entre Santos X São Paulo. Como fiquei em casa, acompanhei o jogo pelo rádio. Confesso que não me lembro de muita coisa deste dia. Lembro-me apenas do gol do Santos e da frustração de ouvir o São Paulo empatar o jogo no último lance do jogo, provocando uma terceira partida.

Depois de um hiato em minhas lembranças, elas reaparecem a partir de 1983. Desde então, o rádio e eu nos tornamos amigos inseparáveis. Ainda ligado tão somente pelo futebol, especialmente porque àquela época jogos transmitidos pela TV eram raros. Clássicos, então, só em final de campeonato e somente no último jogo.

Assim, tive o privilégio de ouvir na rádio Globo o Osmar Santos, conhecido como o Pai da Matéria, tamanho seu talento e capacidade de criar bordões, como "Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha" ou  "Tiro, liro-li, tiro, liro-lá e que gol". As expressões "Capricha garotinho","Não está mais comigo" ou os apelidos de Tamanduá Bandeira, para Serginho Chulapa e O Animal, para Edmundo, mas que ele já tinha chamado o ponteiro direito Almir, do Santos.  

Outro gênio da narração que me marcou foi José Silvério, ainda na rádio Jovem Pan, chamado de O Pai do Gol, por Milton Neves. Aliás, outro que foi meu parceiro de longas jornadas, especialmente aos domingos. Ah, quanta história do futebol eu sei por conta deste jornalista. Ele foi um professor. Aquele intervalo do jogo entre Santos X Fluminense, de 1995, no Pacaembu, é inesquecível.

A partir de 1987 comecei a ouvir música por vontade própria e não mais por osmose, influenciado pelos meus tios. Minha primeira paixão foi a Patrícia, que deixara O Trem da Alegria e lançara um disco solo. Sua canção era "Festa do Amor", tema da novela Bambolê. Depois comecei a ouvir Titãs e Os Paralamas do Sucesso, mais intensamente, além das outras bandas do rock brasileiro da época.

Se o futebol era pelas ondas da AM, na música a sintonia era a FM e passei rapidamente pela Joven Pan, depois Transamérica, até chegar a 89 FM, A Rádio Rock. Nessa época, minha mãe havia ganho um rádio da Sanyo, como presente de aniversário, mas quem vivia com o aparelho era eu. 

E foi ouvindo rádio no verão de 1988 que, enquanto conversava com meu amigo Dimitri, começou a tocar "Faroeste Caboclo", da Legião Urbana. Imediatamente ele me disse “presta atenção nessa música", e eu prestei, e prestei, e prestei por longos 9 minutos. Ao final desta canção, alguma coisa tinha acontecido comigo e eu não estava entendendo direito. Minha reação foi indagá-lo “Dimitri, cadê o seu disco?”, ele já tinha os três discos da Legião. Eu precisava entender aquele João de Santo Cristo, precisava conhecer aquela Maria Lúcia. Ai, sem qualquer exagero, eu nunca mais fui o mesmo.

O rádio continuou ao meu lado e alguns programas eram especiais. Eu gostava muito do 89 Live in Concert, 89 Decibéis, Novas Tendências, 89 Rádio Laser (todos da 89 FM), além do Chá das 5, na rádio Transamérica, onde as bandas nacionais tocavam ao vivo nos estúdios da rádio. Outro programa que ouvi demais foi o No Mundo da Bola, especialmente entre 1995 e 1998, apresentado por Flávio Prado, na Jovem Pan. Ele era especial, pois unia duas grandes paixões, o futebol e a música. Naturalmente, ele abrangia o futebol em praticamente todo o mundo, e em cada canto, um jornalista falava sobre o futebol local e trazia uma música da região. Era demais.   

Também foi o rádio quem esteve ao meu lado quando sofri AVC, em maio de 1994,  ficando internado por 21 dias. Foi ele o meu parceiro durante o governo FHC, no meio de uma terrível recessão e sem empregos. Sem muitas perspectivas eu tive que me virar fazendo jogo do bicho. Pois é, e fiz isso por uns quatro anos. E o rádio estava lá, firme ao meu lado.

E como não lembrar, e ter o desejo ainda mais aguçado em conhecer Paris, quando me vem a memória o saudoso Reali Júnior dizendo, logo pela manhã, "Aqui, Jovem Pan Paris, às margens do Sena, junto a Maison de La Radio, os termômetros marcam 10º graus. Tempo medíocre...”. Bons tempos da Jovem Pan.

Enfim, memórias não me faltam sobre o rádio. Poderia escrever por horas. Mesmo hoje com toda a tecnologia  e velocidade na informação o rádio é fundamental.  O  rádio  ainda  é ágil  e dinâmico e continua indispensável, ao menos pra mim. 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Quando o poeta dá adeus!

O disco "A Tempestade ou Livro dos Dias" foi um trabalho cercado de mistérios. Num primeiro momento a banda finalmente realizaria seu velho desejo de lançar um álbum duplo de inéditas, sonho acalentado desde o "Dois", de 1986. Depois de dois trabalhos solos, Renato estava pronto e, dentro do possível, com muita gana em gravar um disco novinho com a Legião Urbana. Ele sentia saudades... 

Renato também tinha produzido muito material, daí a possibilidade de um disco duplo. Gênios deste quilate, quando percebem que estão próximos do adeus, desenvolvem uma capacidade ainda maior de criação. E Renato escrevia como nunca.

A banda entrou em estúdio em janeiro de 1996, e Renato já dava sinais de cansaço. Por conta disso, Renato gravou quase todo o disco apenas com a chamada voz guia. Desde o já citado "Dois", de exatos 10 anos, aquele foi o primeiro álbum gravado pela banda sem a participação do produtor Mayrton Bahia. Assim, a produção coube ao guitarrista Dado Villa-Lobos, com importante colaboração do músico Carlos Trilha.

Um dos maiores temores de Renato Russo era soar falso a seus fãs. Nesse sentido, escolher a canção “A Via Láctea” como música de trabalho era por demais revelador. Mas ainda tinha mais: ao abrir o encarte do disco, antes de chegarmos as letras, havia uma citação de Oswald de Andrade “O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”. Mais óbvio impossível. Renato era assim, entregava-se de corpo e alma! Um enorme respeito para com o seu público!

O disco abre com “Natália” e seu rock básico que, instintivamente, me remeteu ao álbum “Monster”, do grupo R.E.M, de 1994, aliás, uma das minhas bandas de cabeceira. Obaaa! Um disco de rock! Baixo, bateria e guitarra. Sua letra ácida antecipava os atuais tempos obscuros, onde “a mentira é salvação”. Na mesma pegada, “Dezesseis” contava a saga de João Roberto, um garoto adolescente de classe média que não supera uma desilusão amorosa! Aliás, as citações de Janis Joplin, Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones são incríveis. Certamente muita gente os conheceu por conta desta referência. Já a canção “L´Aventura”, homenagem ao filme homônimo de 1960 de Michelangelo Antonini, trata de amor à maneira Renato Russo. Alguém que marcou demais, se foi, faz falta, mas vida que segue. Tudo muito bem conduzido pelo diálogo entre violões e guitarras de Dado e a batida exata da batera de Marcelo Bonfá.  “Música de Trabalho”, num tom mais lisérgico e um teclado para amenizar, segue com distorções de guitarras e uma bateria rhytthm track, tipo “Perfeição”.

Claro que o clima mais marcante do trabalho está no componente emocional estampado na já citada “A Via Láctea”. Uma canção melancólica e angustiante que desnuda seu autor, a quem a vida parece já ter cansado além da conta. Frases como “Hoje a tristeza não é passageira. Hoje fiquei com febre a tarde inteira. E quando chegar a noite. Cada estrela parecerá uma lágrima” ou “Quando tudo está perdido, não quero mais ser quem eu sou. Mas não me diga isso. Não me dê atenção. E obrigado por pensar em mim”, mostram o quanto era importante, pra ele, ser sincero. Claro que o bom e velho Renato Russo não deixaria de lado suas desilusões amorosas. E elas foram muitas. Assim, ele desfila “Longe do Meu Lado”, “Música Ambiente”, “Mil Pedaços” e “Quando Você Voltar”. Uma poesia melhor que a outra e não necessariamente nessa ordem. Renato não esconde que sempre quis o perigo, mas agora ele estava sangrando sozinho. O poeta estava realmente afiado. E como não se emocionar ao ouvi-lo se despedindo dos pais, do filho e dos amigos na bela “Esperando Por Mim”, já num tom mais alto, com violões e guitarras harmoniosamente aliadas a uma bateria como um mantra. Mais uma letra de arrepiar e, claro, de chorar!

Renato não se esqueceu nem das coisas do dia a dia, como em “Leila”, que retrata uma mulher genuinamente brasileira, guerreira, vítima de algum macho fujão, mas que a sociedade adora julgá-la. E olha que em 1996 não se falava no empoderamento feminino. Aliás, Renato tinha uma sensibilidade absurda, senão, como explicar uma composição como “1º de Julho”, feito à amiga Cassia Eller quando ela estava grávida? Faz todo sentido do mundo ter entrado no repertório deste álbum. Este disco também traz “Soul Parsifal”, uma parceria com Marisa Monte. 

Para fechar o disco, “O Livro dos Dias” iniciada por uma bateria marcial, somado àquele teclado característico da Legião e arranjos de cordas, funcionando com uma suíte. Já a letra... bem!!! Ah a letra! O que concluir dos versos “Meu coração não quer deixar meu corpo descansar”? É meus amigos, o poeta cansou. Como ele mesmo diz em “Longe do Meu Lado”, “Não estou mais pronto para lágrimas”. Eu queria não estar Renato, mas escrever sobre esse álbum torna impossível segurá-las. “Vem de repente um anjo triste perto de mim”!!!

Quanto ao título do álbum, “A Tempestade” era o nome preferido de Renato, seguramente por ser a última peça escrita por Shakespeare. Já “O Livro dos Dias” era o preferido de Dado e Bonfá. Então, juntou-se os dois nomes, no entanto a canção “A Tempestade” ficou de fora. Ela foi lançada somente no álbum seguinte, “Uma Outra Estação”, de 1997. Aliás, pensando na real condição de Renato Russo, e que somente a banda e pessoas muito próximas a ele sabiam, a decisão de não lançar todo o material produzido de uma só vez foi a mais acertada. Então, o que ficou de fora, como a citada “A Tempestade”, pode ser lançado de forma póstuma.

“A Tempestade ou Livro dos Dias” foi a saída de cena de Renato Russo. Um sujeito que não veio ao mundo a passeio. Marcou gerações contemporânea e às futuras. Seu legado permanece tão rico e atual quanto no tempo em que foram escritas. Renato nos faz falta, muita falta, é uma ferida jamais cicatrizada. Só não dá Renato, com todo respeito, pra atender um de seus últimos pedidos, aquele da canção “Música Ambiente”, “E quando eu for embora. Não, não chore por mim”!!!

Silvano Caiçara


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