De Letra & Caneta
sábado, 26 de outubro de 2024
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Adeus a Vladimir Carvalho #rockbrasilia #legiãourbana #plebe #capitalini...
quarta-feira, 25 de setembro de 2024
O Rádio e Eu
Minha primeira interação com o rádio data de junho de 1979 e aconteceu por conta do futebol. Meus pais foram ao estádio do Morumbi assistir ao segundo jogo da Final do Campeonato Paulista de 1978 (não, você não leu errado e nem eu me equivoquei nas datas. O Paulistão ´78 começou em agosto de 1978 e terminou só em junho de 1979), entre Santos X São Paulo. Como fiquei em casa, acompanhei o jogo pelo rádio. Confesso que não me lembro de muita coisa deste dia. Lembro-me apenas do gol do Santos e da frustração de ouvir o São Paulo empatar o jogo no último lance do jogo, provocando uma terceira partida.
Depois de um hiato em minhas lembranças, elas reaparecem a partir de 1983. Desde então, o rádio e eu nos tornamos amigos inseparáveis. Ainda ligado tão somente pelo futebol, especialmente porque àquela época jogos transmitidos pela TV eram raros. Clássicos, então, só em final de campeonato e somente no último jogo.
Assim, tive o privilégio de ouvir na rádio Globo o Osmar Santos, conhecido como o Pai da Matéria, tamanho seu talento e capacidade de criar bordões, como "Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha" ou "Tiro, liro-li, tiro, liro-lá e que gol". As expressões "Capricha garotinho","Não está mais comigo" ou os apelidos de Tamanduá Bandeira, para Serginho Chulapa e O Animal, para Edmundo, mas que ele já tinha chamado o ponteiro direito Almir, do Santos.
Outro gênio da narração que me marcou foi José Silvério, ainda na rádio Jovem Pan, chamado de O Pai do Gol, por Milton Neves. Aliás, outro que foi meu parceiro de longas jornadas, especialmente aos domingos. Ah, quanta história do futebol eu sei por conta deste jornalista. Ele foi um professor. Aquele intervalo do jogo entre Santos X Fluminense, de 1995, no Pacaembu, é inesquecível.
A partir de 1987 comecei a ouvir música por vontade própria e não mais por osmose, influenciado pelos meus tios. Minha primeira paixão foi a Patrícia, que deixara O Trem da Alegria e lançara um disco solo. Sua canção era "Festa do Amor", tema da novela Bambolê. Depois comecei a ouvir Titãs e Os Paralamas do Sucesso, mais intensamente, além das outras bandas do rock brasileiro da época.
Se o futebol era pelas ondas da AM, na música a sintonia era a FM e passei rapidamente pela Joven Pan, depois Transamérica, até chegar a 89 FM, A Rádio Rock. Nessa época, minha mãe havia ganho um rádio da Sanyo, como presente de aniversário, mas quem vivia com o aparelho era eu.
E foi ouvindo rádio no verão de 1988 que, enquanto conversava com meu amigo Dimitri, começou a tocar "Faroeste Caboclo", da Legião Urbana. Imediatamente ele me disse “presta atenção nessa música", e eu prestei, e prestei, e prestei por longos 9 minutos. Ao final desta canção, alguma coisa tinha acontecido comigo e eu não estava entendendo direito. Minha reação foi indagá-lo “Dimitri, cadê o seu disco?”, ele já tinha os três discos da Legião. Eu precisava entender aquele João de Santo Cristo, precisava conhecer aquela Maria Lúcia. Ai, sem qualquer exagero, eu nunca mais fui o mesmo.
O rádio continuou ao meu lado e alguns programas eram especiais. Eu gostava muito do 89 Live in Concert, 89 Decibéis, Novas Tendências, 89 Rádio Laser (todos da 89 FM), além do Chá das 5, na rádio Transamérica, onde as bandas nacionais tocavam ao vivo nos estúdios da rádio. Outro programa que ouvi demais foi o No Mundo da Bola, especialmente entre 1995 e 1998, apresentado por Flávio Prado, na Jovem Pan. Ele era especial, pois unia duas grandes paixões, o futebol e a música. Naturalmente, ele abrangia o futebol em praticamente todo o mundo, e em cada canto, um jornalista falava sobre o futebol local e trazia uma música da região. Era demais.
Também foi o rádio quem esteve ao meu lado quando sofri AVC, em maio de 1994, ficando internado por 21 dias. Foi ele o meu parceiro durante o governo FHC, no meio de uma terrível recessão e sem empregos. Sem muitas perspectivas eu tive que me virar fazendo jogo do bicho. Pois é, e fiz isso por uns quatro anos. E o rádio estava lá, firme ao meu lado.
E como não lembrar, e ter o desejo ainda mais aguçado em conhecer Paris, quando me vem a memória o saudoso Reali Júnior dizendo, logo pela manhã, "Aqui, Jovem Pan Paris, às margens do Sena, junto a Maison de La Radio, os termômetros marcam 10º graus. Tempo medíocre...”. Bons tempos da Jovem Pan.
Enfim, memórias não me faltam sobre o rádio. Poderia escrever por horas. Mesmo hoje com toda a tecnologia e velocidade na informação o rádio é fundamental. O rádio ainda é ágil e dinâmico e continua indispensável, ao menos pra mim.
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Quando o poeta dá adeus!
O disco "A Tempestade ou Livro dos Dias" foi um trabalho cercado de mistérios. Num primeiro momento a banda finalmente realizaria seu velho desejo de lançar um álbum duplo de inéditas, sonho acalentado desde o "Dois", de 1986. Depois de dois trabalhos solos, Renato estava pronto e, dentro do possível, com muita gana em gravar um disco novinho com a Legião Urbana. Ele sentia saudades...
Renato também tinha produzido muito material, daí a possibilidade de um disco duplo. Gênios deste quilate, quando percebem que estão próximos do adeus, desenvolvem uma capacidade ainda maior de criação. E Renato escrevia como nunca.
A banda entrou em estúdio em janeiro de 1996, e Renato já dava sinais de cansaço. Por conta disso, Renato gravou quase todo o disco apenas com a chamada voz guia. Desde o já citado "Dois", de exatos 10 anos, aquele foi o primeiro álbum gravado pela banda sem a participação do produtor Mayrton Bahia. Assim, a produção coube ao guitarrista Dado Villa-Lobos, com importante colaboração do músico Carlos Trilha.
Um dos maiores temores de Renato Russo era soar falso a seus fãs. Nesse sentido, escolher a canção “A Via Láctea” como música de trabalho era por demais revelador. Mas ainda tinha mais: ao abrir o encarte do disco, antes de chegarmos as letras, havia uma citação de Oswald de Andrade “O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”. Mais óbvio impossível. Renato era assim, entregava-se de corpo e alma! Um enorme respeito para com o seu público!
O disco abre com “Natália” e seu rock básico que, instintivamente, me remeteu ao álbum “Monster”, do grupo R.E.M, de 1994, aliás, uma das minhas bandas de cabeceira. Obaaa! Um disco de rock! Baixo, bateria e guitarra. Sua letra ácida antecipava os atuais tempos obscuros, onde “a mentira é salvação”. Na mesma pegada, “Dezesseis” contava a saga de João Roberto, um garoto adolescente de classe média que não supera uma desilusão amorosa! Aliás, as citações de Janis Joplin, Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones são incríveis. Certamente muita gente os conheceu por conta desta referência. Já a canção “L´Aventura”, homenagem ao filme homônimo de 1960 de Michelangelo Antonini, trata de amor à maneira Renato Russo. Alguém que marcou demais, se foi, faz falta, mas vida que segue. Tudo muito bem conduzido pelo diálogo entre violões e guitarras de Dado e a batida exata da batera de Marcelo Bonfá. “Música de Trabalho”, num tom mais lisérgico e um teclado para amenizar, segue com distorções de guitarras e uma bateria rhytthm track, tipo “Perfeição”.
Claro que o clima mais marcante do trabalho está no componente emocional estampado na já citada “A Via Láctea”. Uma canção melancólica e angustiante que desnuda seu autor, a quem a vida parece já ter cansado além da conta. Frases como “Hoje a tristeza não é passageira. Hoje fiquei com febre a tarde inteira. E quando chegar a noite. Cada estrela parecerá uma lágrima” ou “Quando tudo está perdido, não quero mais ser quem eu sou. Mas não me diga isso. Não me dê atenção. E obrigado por pensar em mim”, mostram o quanto era importante, pra ele, ser sincero. Claro que o bom e velho Renato Russo não deixaria de lado suas desilusões amorosas. E elas foram muitas. Assim, ele desfila “Longe do Meu Lado”, “Música Ambiente”, “Mil Pedaços” e “Quando Você Voltar”. Uma poesia melhor que a outra e não necessariamente nessa ordem. Renato não esconde que sempre quis o perigo, mas agora ele estava sangrando sozinho. O poeta estava realmente afiado. E como não se emocionar ao ouvi-lo se despedindo dos pais, do filho e dos amigos na bela “Esperando Por Mim”, já num tom mais alto, com violões e guitarras harmoniosamente aliadas a uma bateria como um mantra. Mais uma letra de arrepiar e, claro, de chorar!
Renato não se esqueceu nem das coisas do dia a dia, como em “Leila”, que retrata uma mulher genuinamente brasileira, guerreira, vítima de algum macho fujão, mas que a sociedade adora julgá-la. E olha que em 1996 não se falava no empoderamento feminino. Aliás, Renato tinha uma sensibilidade absurda, senão, como explicar uma composição como “1º de Julho”, feito à amiga Cassia Eller quando ela estava grávida? Faz todo sentido do mundo ter entrado no repertório deste álbum. Este disco também traz “Soul Parsifal”, uma parceria com Marisa Monte.
Para fechar o disco, “O Livro dos Dias” iniciada por uma bateria marcial, somado àquele teclado característico da Legião e arranjos de cordas, funcionando com uma suíte. Já a letra... bem!!! Ah a letra! O que concluir dos versos “Meu coração não quer deixar meu corpo descansar”? É meus amigos, o poeta cansou. Como ele mesmo diz em “Longe do Meu Lado”, “Não estou mais pronto para lágrimas”. Eu queria não estar Renato, mas escrever sobre esse álbum torna impossível segurá-las. “Vem de repente um anjo triste perto de mim”!!!
Quanto ao título do álbum, “A Tempestade” era o nome preferido de Renato, seguramente por ser a última peça escrita por Shakespeare. Já “O Livro dos Dias” era o preferido de Dado e Bonfá. Então, juntou-se os dois nomes, no entanto a canção “A Tempestade” ficou de fora. Ela foi lançada somente no álbum seguinte, “Uma Outra Estação”, de 1997. Aliás, pensando na real condição de Renato Russo, e que somente a banda e pessoas muito próximas a ele sabiam, a decisão de não lançar todo o material produzido de uma só vez foi a mais acertada. Então, o que ficou de fora, como a citada “A Tempestade”, pode ser lançado de forma póstuma.
“A Tempestade ou Livro
dos Dias” foi a saída de cena de Renato Russo. Um sujeito que não veio ao mundo
a passeio. Marcou gerações contemporânea e às futuras. Seu legado permanece tão
rico e atual quanto no tempo em que foram escritas. Renato nos faz falta, muita
falta, é uma ferida jamais cicatrizada. Só não dá Renato, com todo respeito, pra
atender um de seus últimos pedidos, aquele da canção “Música Ambiente”, “E
quando eu for embora. Não, não chore por mim”!!!
Silvano Caiçara
sábado, 3 de fevereiro de 2024
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023
A estreia da Legião Urbana
Enfim, em 15 de fevereiro de 1985, quase um mês após o furacão Rock in Rio, ter aportado à Cidade do Rock e, exatamente, um mês da escolha do primeiro presidente civil, após mais de duas décadas de ditadura militar, a Legião Urbana lançava o seu autointitulado álbum de estreia. Certamente você já leu e/ou ouviu que o referido lançamento ocorreu em 1º de janeiro, inclusive eu já publiquei essa data, ou no máximo no dia 2. Acontece que em 2015 o guitarrista Dado Villa-Lobos lançou sua biografia, Memórias de Um Legionário, e na página 75 do livro ele diz “Conforme escrevi no capítulo anterior, o lançamento de nosso disco de estreia estava previsto para novembro de 1984. Porém, como todas as atenções da mídia estavam voltadas para o Rock in Rio, que seria realizado em janeiro de 1985, a gravadora alterou o seu planejamento inicial e lançou o nosso LP somente em 15 de fevereiro”. Do ponto de vista estratégico, faz todo sentido não lançá-lo em janeiro. Além do que, o próprio Dado diz a certa altura do livro que, em relação às datas, trata-se de anotações de sua mulher Fernanda, que também empresariou a banda até o fim da turnê do Dois. Como estas questões de data são sempre controversas, e aqui baixa o espírito do jornalista e pesquisador, decidi revisar meus arquivos de jornais da época. Não foi possível encontrar com precisão a data do dia 15 de fevereiro. No entanto, em duas colunas do Jornal do Brasil fica claro que o disco saiu mesmo em fevereiro. A primeira matéria saiu no dia 16 de fevereiro, ed. 312, página 5 do caderno B, do jornalista Luiz Antônio Mello, enquanto Jamari França resenhou o álbum na ed. 322, página 2 do caderno B, do dia 28 de fevereiro.
Isto posto, é preciso celebrar os 38 anos de Legião Urbana, um disco que já era diferente das cores pintadas pelos artistas nacionais daquele Rock in Rio, que traziam músicas mais leves, com batatas fritas, rolês de moto, coisas mais corriqueiras, mesmo. Não por acaso, elas eram apelidadas de Rock de Bermuda. E aqui não estou fazendo nenhum juízo de valor, até porque gosto muito destas bandas, mas apenas constatando a diferença de conceito.
Logo de cara duas coisas saltam aos ouvidos em Legião Urbana; primeiro a voz de Renato Russo (a melhor do rock nacional), e depois as letras (Renato tinha uma capacidade ímpar em retratar tanto as injustiças sociais quanto as relações interpessoais). Lançar um disco com uma capa em preto e branco, foto dos integrantes sombreadas e nuances em relevo já diz muito sobre seu conteúdo. O disco era pós-punk, no melhor estilo das bandas inglesas, algumas em voga à época. Nada mais natural para quem tinham as mesmas referências. Não por acaso, estas referências causaram inúmeros desentendimentos durante a produção do disco, a ponto de dois produtores desistirem do trabalho enquanto que, um terceiro, o jornalista José Emilio Rondeau, por muito pouco não abandonou o barco também.
O disco abre com “Será” e ali Renato chama a atenção para seus versos como por exemplo “Tire suas mãos de mim, eu não pertenço a você” que tanto servem para questões de um país sob ditadura, quanto para a relação com outra pessoa. “Serão noites inteiras, talvez por medo da escuridão” e por aí vai. "Ah se eu soubesse lhe dizer o que fazer pra todo mundo ficar junto, todo mundo já estava há muito tempo", de “Petróleo do Futuro” também segue por essa linha.
A violência urbana e a estupidez de uma guerra presentes em “Baader-Meinhof Blues” e na marcial “Soldados”, respectivamente. Enquanto os fascistas, que voltaram e agora parecem que irão voltar pro esgoto, de onde nunca deveriam ter saído, estavam à solta em “A Dança”, com uma letra sexista e que antecipava a inversão de papéis atual, em que a vítima foi quem provocou tal situação.
“Geração Coca-Cola” é a canção mais porrada/política deste primeiro disco, ainda da época em que Renato Russo era da banda punk Aborto Elétrico. Assim como “O Reggae” que fala da falta de liberdade e de “Aprender a roubar pra vencer”, mas calma lá! Há também o amor, como na bela “Ainda é Cedo”, as energéticas “Teorema” e “Perdidos no Espaço” e a suavidade de “Por Enquanto”.
Tudo isso muito bem costurado por uma parte musical robusta. Naturalmente o disco não trazia o som mais tosco e pesado da famosa fita-demo que chegou às mãos da rádio Fluminense FM. A produção tratou de dar uma polida e suavizá-lo, no entanto a essência continuava ali. Uma bateria marcante e ritmada e um baixo pungente. Guitarras sem solos, mas em ritmo harmonioso, costurando as canções. Renato Russo ainda nos brinda com belos arranjos de violões, posteriormente tão característicos ao som da banda, e nuances de teclados. E o que falar da voz? Ah, a voz... A voz era o casamento perfeito com a poesia que ele escrevia.
Trinta anos mais tarde, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá relançaram este trabalho com alguns out-takes, sobras de estúdio e versões da famosa fita-demo, num disco extra. Lamentavelmente, a canção inédita “1977” ficou de fora deste lançamento por questões judiciais. Para promoverem o relançamento, Dado & Bonfá excursionaram pelo Brasil tocando o disco na íntegra, em quase 100 apresentações. Este que vos escreve presenciou aproximadamente um terço destes shows que foram um verdadeiro deleite aos fãs. Os da velha guarda ficaram saudosos de um tempo longínquo, já os mais jovens, que não viram o Renato ao vivo, sentiram um pouco da emoção e da força que estas canções produziam ao vivo.
Legião Urbana, o álbum, é até hoje uma das melhores estreias
em disco de Rock no Brasil.
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
O dia de hoje na história do Rock
Dia 20 de setembro
A Tempestade ou O Livro
dos Dias
Quando o poeta dá adeus!
1996
- A Tempestade ou Livro dos Dias foi um disco cercado de mistérios. Num
primeiro momento a banda finalmente realizaria seu velho desejo de lançar um
álbum duplo de inéditas. Depois de dois trabalhos solos Renato estava pronto e,
dentro do possível, tinha gana em gravar um disco novinho com a Legião Urbana.
Ele sentia saudades...
Renato
também tinha muito material, daí a possibilidade de um disco duplo. Gênios
deste quilate quando percebem que estão próximos do adeus, desenvolvem uma
capacidade ainda maior de criação. Renato escrevia como nunca.
Em
estúdio a partir de janeiro daquele 1996, começaram a trabalhar o novo projeto.
Um Renato debilitado fisicamente e com a voz dando sinais de cansaço. Por conta
disso, Renato gravou quase todo o disco fazendo a chamada voz-guia. Pela
primeira vez, desde o Dois, decorridos exatos 10 anos, a produção não contaria
com Mayrton Bahia. Assim, coube a Dado Villa-Lobos, com importante participação
de Carlos Trilha, produzir o álbum.
Um
dos maiores temores de Renato Russo era soar falso a seus fãs. Nesse sentido,
escolher a canção “A Via Láctea” como música de trabalho era por demais revelador.
Me lembro que depois de ouvi-la, umas das minha reações foi ligar para minha
amiga Cilene e dizer “Cilene, estou com medo!”. Ela também estava e
conjecturamos uma série de teorias. Quando saiu o disco e logo na abertura
havia a frase “O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente
dizendo adeus”, de Oswald de Andrade, foi a vez de ligar para a amiga Alcina.
As reações e sensações foram as mesmas. Mais óbvio impossível. Renato era isso,
uma entrega de corpo e alma! E um enorme respeito para com seu público!
O
disco abre com “Natália” e seu rock básico que, instintivamente, me remeteu ao
álbum Monster, de 1994, do grupo R.E.M, uma das minhas bandas de cabeceira.
Obaaa! Um disco de rock! Baixo, bateria e guitarra. Sua letra ácida antecipava
os atuais tempos obscuros, onde “a mentira é salvação”. Assim como “Dezesseis”
que conta a saga de João Roberto, um garoto adolescente de classe média que não
supera uma desilusão amorosa, mas num ROCKÃO DA PORRA! Aliás, as citações de
Janis Joplin, Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones são incríveis.
Certamente muita gente os conheceu por conta desta referência. Já a canção
“L´Aventura”, homenagem ao filme homônimo de 1960 de Michelangelo Antonini,
trata de amor à maneira Renato. Alguém que marcou demais, se foi, faz falta,
mas vida que segue. Tudo muito bem conduzido pelo diálogo entre violões e
guitarras de Dado e a batida exata da batera de Bonfá. “Música de Trabalho”, num tom mais lisérgico
e um teclado pra amenizar, segue com distorções de guitarras e uma bateria rhytthm
track, tipo “Perfeição”.
Claro
que o clima mais marcante do trabalho está no componente emocional estampado na
já citada “A Via Láctea”. Uma canção melancólica e angustiante que desnuda seu
autor, a quem a vida parece já ter cansado além da conta. Suas desilusões
amorosas passam por “Longe do Meu Lado”, “Música Ambiente”, “Mil Pedaços” e
“Quando Você Voltar”. Uma poesia melhor que a outra e não necessariamente nessa
ordem. Renato não esconde que sempre quis o perigo, mas estava sangrando
sozinho. O poeta estava realmente afiado. E como não se emocionar ao ouvi-lo se
despedindo dos pais, do filho e dos amigos na bela “Esperando Por Mim”, já num
tom mais alto, com violões e guitarras, mais uma vez, harmoniosamente aliadas a
uma bateria como um mantra. Mais uma letra de arrepiar e, claro, chorar!
Renato
não se esqueceu nem das coisas do dia a dia, como em “Leila”, que retrata uma
mulher genuinamente brasileira, guerreira, vítima de algum macho fujão, mas que
a sociedade adora julgá-la. E olha, que em 1996 não se falava no empoderamento
feminino. Aliás, Renato tinha uma sensibilidade absurda, senão, como explicar
uma composição como “1º de Julho”, feito à amiga Cassia Eller quando estava
grávida? Faz todo sentido do mundo ter entrado no repertório deste álbum. Este
disco também traz “Soul Parsifal”, uma parceria com Marisa Monte.
Para
fechar o álbum “O Livro dos Dias”, iniciada por uma bateria marcial, somado
àquele teclado característico da Legião, uma suíte. Já a letra... bem!!! Ah a
letra! O que concluir dos versos “meu coração não quer deixar meu corpo
descansar”? É meus amigos, o poeta cansou. Como ele mesmo diz em “Longe do Meu
Lado”, “Não estou mais pronto para lágrimas”. Eu queria não estar Renato, mas
escrever sobre esse disco torna impossível segurá-las. “Vem de repente um anjo
triste perto de mim”!!!
Quanto
ao nome do álbum é curioso que A Tempestade, era o nome preferido de Renato,
muito provavelmente por ser a última peça escrita por Shakespeare. Já o Livro
dos Dias era o preferido de Dado e Bonfá. Então, juntou-se os dois nomes, mas a
canção “A Tempestade” ficou de fora.
Ninguém,
além da banda, sabia da real condição de saúde de Renato. Pensando nisso, a
decisão de não lançar todo o material produzido de uma só vez foi a mais
acertada. O que ficou de fora deste disco culminou em Uma Outra Estação,
lançado menos de um ano após a morte do Renato.
A
Tempestade ou Livro dos Dias foi a saída de cena do Renato. Um sujeito que não
veio ao mundo a passeio. Marcou gerações contemporâneas e as futuras. Seu
legado permanece tão rico e atual quanto no tempo em que foram escritas. Nos
faz falta, mas está sempre pronto para “caminharmos lado a lado por amor”!!!