sábado, 25 de janeiro de 2025

São Paulo e os seus 471 anos

Não nasci em São Paulo, não moro na cidade de São Paulo, mas, por exemplo, é nesta cidade que profissionalmente mais atuei, e ainda atuo. Foram mais de 2 anos como locutor da incrível web-rádio LEDFM (bem ali no meio da Mooca meu!), mais de uma década como bancário e ainda estagiei na assessoria de imprensa do Metrô... Por conta de minha condição de saúde meus pais deixaram o Mato Grosso (que ainda era um único estado), para chegar nesta cosmopolita capital paulista, desembarcando no Grajaú. Tempos depois fomos pra outro bairro da região, até que em 1980, com a separação dos meus pais, eu e minha mãe viemos para Osasco. Mudei-me, mas São Paulo continuou me acompanhando, já que ainda fazia alguns tratamentos médicos em Sampa. Nesta cidade também fiz aqueles famosos cursos de informática, ainda no MS-Dos (interface anterior ao já lançado windows), foi passando por uma banca de jornal em Pinheiros, que vi aquela Revista Bizz, de abril de 1989, e que tanto me impactou ao ver a capa e a manchete "Legião - Por Eles Mesmos", isso pouco mais de um ano depois de ter ouvido "Faroeste Caboclo", também em São Paulo, lá no Jd. Ubirajara, e que determinava definitivamente a minha banda do coração. 

Foi também em Sampa que vi meu primeiro jogo de futebol num estádio, no caso o Morumbi, num clássico Palmeiras 1x1 Santos (gol santista de Tuíco, aliás, que time horrível aquele do SANTOS, apesar de César Sampaio e Dr. Sócrates). Acompanhei também título de Libertadores e Paulistas no Pacaembu e o já citado Morumbi. Também assisti jogos no antigo Palestra, no Estádio do Ibirapuera, no Canindé, na USP, no Nicolau Alayon, mas confesso, vergonhosamente nunca fui à Rua Javari.

E o que falar das atividades culturais da cidade; os inúmeros Museus que retratam a arte, retratam os povos e suas culturas, retratam histórias, retratam a vida... Os teatros, os cinemas, a gastronomia que vai do restaurante mais sofisticado aos lanches da madruga, passando pelos de pernil da porta de estádio, únicos. A cidade que propícia aquele rolê da feirinha da Benedito Calixto, a Galeria do Rock, os incontáveis sebos em busca do vinil perdido. Curtir o domingo na Paulista, o cinema a céu aberto, a poesia da praça Roosevelt... 

A cidade que é minha, a cidade que é de todo mundo e do mundo todo. A cidade que mais tem imigrantes, e a que, a cada feriado, milhares pegam a Rodovia dos Imigrantes, pra esquecê-la por um instante. É a cidade dos nordestinos e dos nortistas. Aqui também tem sulista, tem mineiro e tem gente do Rio de Janeiro.

Essa mesma gente louca que corre pra cima e pra baixo. Que faz a cidade não parar. Que não liga pros meninos nos sinais e mendigos pelos cantos. Então, não existe amor em SP? Claro que existe! Mesmo na Paulicéia Desvairada, aqui na cidade de São Paulo o amor é sempre imprevisível. Ainda que o frio e a garoa na escuridão se façam presentes, ainda  não estamos em pânico em SP. O paulistano que adora o passeio do domingo no parque (mesmo que o privatizem, só não nos privem, por favor). A cidade do José, do João e da Juliana. É em São Paulo que se diverte o homem da feira, o peão da construção e a linda morena com uma flor no cabelo e um sorvete não mão. Ninguém desce a Rua Augusta a 120 por hora, mas por lá todos se encontram, se identificam e não se sentem um cara estranho.

Ninguém mais ouve em Sampa, um walkman, pois o futuro chegou e está tudo no celular. Mas é certo que alguma coisa ainda acontece no meu coração quando cruzo a Avenida Ipiranga com a Avenida São João. Logo vamos todos dar as mãos e fazer São Paulo virar são, longe dos preconceitos e da falta de respeito.

São Paulo das Zonas Leste e Oeste, da Zona Norte e da Zona Sul. O mosteiro de São Bento e o direito do Largo São Francisco, passando pela Praça e Catedral da Sé. Seu centro histórico, cruzando o viaduto do Chá, a Praça Dom José Gaspar e a “da boca do lixo”. A rua Aurora, a rua Vitória. Tem a feira da madruga no Brás, mesmo que o Arnesto não vá ou atrase o trem das onze. Há ainda a Praça do Pôr do Sol.

Eu sei que vivo em louca utopia de ver seus grandes rios limpos um dia. É a cidade onde o cinza mata o verde e que até elege prefake.

Ah! São Paulo, quanta dor!!! Mas São Paulo, ainda és o meu amor!!!



Playlist:

https://open.spotify.com/playlist/4KrejdeyBDlzVlRTJbMgeY?si=0567c1ae17db43b1

sábado, 11 de janeiro de 2025

E lá se vão 40 anos do 1º Rock in Rio

O Rock in Rio nasceu, assustou por seu tamanho no longínquo 1985, hibernou alguns anos entre a primeira e a terceira edições (1991 e 2001), e cresceu até que a partir de 2004 virou uma franquia com apresentações em Lisboa, Madrid e até Las Vegas. Em 2011 retornou ao Brasil e desde então acontece regularmente (a cada dois anos). Visto hoje, in loco ou pela TV, sobretudo os mais jovens, não têm ideia de quão desbravador foi a ousadia de Roberto Medina lá em meados dos anos 80. As negociações começaram desanimadoras na terra do Tio Sam. Aliás, desanimadoras não, começaram sob forte desconfiança de que nem nos EUA alguém conseguiria levar este festival adiante. Mas bastou uma conversinha do brasileiro com Frank Sinatra, que ele havia trazido ao Brasil em 1980 para um show no estádio do Maracanã, para as coisas mudarem. Assim, no dia seguinte a uma declaração de Sinatra sobre a credibilidade do organizador, “Houve fila de agentes dos artistas no hotel para virem ao Rock in Rio”, nas palavras do próprio Roberto Medina. Assim, em 11 de janeiro de 1985 Ney Matogrosso subiu ao palco da cidade do Rock (local especialmente criado para abrigar o festival), ainda sob a luz do dia, para a abertura do maior festival de música na América Latina, desde sempre, o Rock in Rio.

Até então, poucos artistas se arriscaram a tocar em solo tupiniquim, ou mesmo na América do Sul. Nossa fama era a de não pagamento dos cachês combinados, furto de equipamentos, péssimas condições técnicas, e por aí vai. Contavam-se nos dedos os grandes artistas que vieram ao Brasil: Santana, Alice Cooper, Genesis, Rick Wakeman, Earth, Wind and Fire, Van Halen, Queen, Kiss, The Police, além do já citado Frank Sinatra.

É inegável o peso das atrações internacionais desta primeira edição do festival, mas a base para realizá-lo, indiscutivelmente, foi a nova cena musical que explodiu no Brasil, especialmente a partir do estouro da Blitz, em 1982. Vieram na mesma leva Barão Vermelho, Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens, Lulu Santos, Eduardo Dusek e Os Paralamas do Sucesso. Além de nomes não escalados para o festival como Ritchie, Camisa de Vênus, Titãs, Magazine... A partir do sucesso desses artistas ficou claro para gravadoras, rádios e promotores de espetáculos que havia uma cena forte no Brasil. Era juntar a fome com a vontade de comer, pois ao mesmo tempo que muita gente estava fazendo música de qualidade, havia um público ávido por novidades. O Rock in Rio impulsionou o mercado que provou que o rock era viável no Brasil. Sem contar que toda a parte técnica evoluiu com o festival. Tanto estúdios, quanto equipamentos e profissionais da área. 

Naquele 1985, tudo era novidade, tanto para quem assistia quanto para quem tocava. Mesmo às atrações estrangeiras acostumadas com grandes arenas, não sabiam o que esperar do público brasileiro. Whitesnake (que substituiu Def Leppard) foi a primeira atração estrangeira a experimentar a nova arena e aprovar a plateia, seguido por Iron Maiden. Para encerrar a noite o Queen deu o ar da graça, com quatro anos de atraso para o público carioca. Ali ninguém mais duvidava que o público brasileiro adorava rock n´roll. Ao longo do festival ainda desfilaram outras grandes estrelas internacionais como AC-DC, Ozzy Osbourne, Scorpions, Rod Stewart, Yes, Al Jarreau, The B-52´s, entre outros.

Seis anos depois, com igual barulho, veio a segunda edição do festival, desta vez no estádio do Maracanã. Naquele instante o rock nacional vivia um outro estágio, tanto que o Barão Vermelho se retirou do evento pelo simples, mas necessário, fato de não ter as mesmas condições técnicas que as bandas gringas. Nessa, eu estou com o Barão. Aliás, esse era um dos motivos que fizeram a Legião Urbana jamais se apresentar em festivais deste porte. 

A banda da vez era o Guns N´Roses que brindou o público brasileiro com uma enxurrada de hits – embora o Pedro Bial não conhecesse “Patience” e tenha entrado no meio da música, imaginando que já tivesse acabado –, além de uma premiere de Use Your Ilusion I e II, em duas grandes apresentações. Também vieram ao Rio o Prince, George Michael (o maior cachê do festival), Judas Priest, Megadeth, INXS, além de novatos como Faith No More e Happy Mondays.

Já a terceira edição aconteceu somente 10 anos depois, em 2001. Esta eu tive o privilégio de acompanhar in loco, em três noitesO cast também foi pra lá de caprichado, pois vinham ao Brasil, pela primeira vez R.E.M, Neil Young, Foo Fighters, Beck, e outros shows bastante aguardados como Iron Maiden, Oasis, Chili Pepers, Rob Halford...

Eu estava louco pra ver o R.E.M pela primeira vez e valeu todo o tempo de espera. Bem como o grande Neil Young e sua Crazy Horse (tocam alto pra caramba). Já o Foo Fighters foi uma decepção. Ótima banda de estúdio, mas ao vivo... Foi tão decepcionante quanto o Nirvana, banda anterior de David Grohl. Também tivemos bons shows do Barão Vermelho, Beck, Kid Abelha. Guns N´Roses e Oasis fizeram competentes shows no domingo 14/01. O problema do Oasis foi que quase todo mundo estava lá pra ver o Guns. Eu aproveitei muito bem os dois shows.

Depois destas edições o conceito do Festival mudou e isso é assunto pra outra conversa! 




terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Ainda Estou Aqui

Assisti a "Ainda Estou Aqui" na noite de 25 de dezembro. Nada mais emblemático, já que a data simboliza, ou ao menos deveria significar, a empatia, o respeito e, sobretudo, o amor ao próximo. Ensinamentos estes, absolutamente ignorados pela truculência e a covardia praticada pelo regime de exceção consolidado no Brasil, com o Golpe de Estado de 1964. A trama, baseada na obra literária de Marcelo Rubens Paiva, homenageia a mãe do autor, Eunice Paiva, que de uma hora pra outra se viu sozinha com seus filhos, uma vez que seu marido, Rubens Paiva, simplesmente foi levado de sua casa pra nunca mais voltar. E mais, num primeiro momento o Estado negou estar com a sua custódia.

Paiva ficou marcado por seu duro discurso proferido ao vivo na Rádio Nacional, um dia após o Golpe ser perpetrado, onde ele defendia o presidente deposto João Goulart e incitava a população a se manifestar pacificamente contra o regime. O então deputado compactuava com as reformas de base promovidas por Jango, o que lhe custou o mandato de deputado federal dias depois. Por consequência, Paiva se exilou na Iugoslávia e França.

De volta ao Brasil, Paiva retomou sua carreira de engenheiro e, posteriormente, chegou a dirigir o jornal Última Hora. Como nunca deixou a política de lado, mantinha ligações com exilados que viviam no Chile e daí veio a suspeita dos militares de que ele poderia ser a chave para capturar Lamarca. A covardia contra Rubens Paiva fica ainda mais evidente quando é sabido que ele jamais participou ou integrou qualquer um dos grupos armados que lutaram contra o regime.   

Voltando ao filme, tudo caminhava bem até o dia 20 de janeiro de 1971, dia de São Sebastião, quando seis 'homens' da Aeronáutica, com metralhadoras, invadiram a casa da família Paiva e levaram Rubens para um interrogatório, porém sem maiores detalhes de onde seria tal depoimento e sobre o que o interrogariam. 

Não bastasse a barbárie da prisão, oficiais mantiveram a família como reféns em sua própria casa, chegando ao absurdo de também levar Eunice e a filha Eliana para interrogatório, no dia seguinte. Já no DOI-CODI, elas foram separadas. Sem a menor noção do paradeiro de Rubens e de como estava sua filha, Eunice foi submetida a tortura psicológica pesada, com o objetivo de reconhecer 'outros subversivos' e trancafiada em uma cela fétida. 

Quando libertada, Eunice mergulha em um drama ainda maior que é saber sobre seu marido e manter sua família sem ter acesso às economias de Rubens. Um dos momentos mais emocionantes do filme é quando Eunice leva as crianças a tomarem sorvete e ao ver uma família, digamos completa, com a presença do pai, ali 'cai a ficha' de que ela nunca mais contaria com Rubens. É de cortar o coração...

Eunice vende a casa e um terreno no Rio pra votarem a morar em São Paulo e é a partir daí que ela começa sua luta pelos Direitos Humanos e também para esclarecer o que de fato aconteceu com seu esposo. Somente em 1996, Eunice recebeu a Certidão de Óbito de Rubens Paiva, após ser sancionada a Lei dos Desaparecidos, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A cena aqui, inclusive, é um recado direto aos acontecimentos de 8 de janeiro, quando uma jornalista pergunta algo do tipo "Não temos preocupações mais importantes para o país do que revirar essas histórias?", a qual Eunice responde "Isso é importante sim, pra que essas histórias não voltem a se repetir". Esse é o ponto. Justamente a não punição de assassinos covardes e os militares de alta patente é que fizeram um reles e medíocre capitão do exército achar que podia se perpetuar no poder, mesmo 40 anos após o fim do acinte que foi o Golpe de Estado de 1964.   

E o que falar da atuação de Fernanda Torres, especialmente, depois do prêmio de Melhor  Atriz no Globo de Ouro? Simplesmente soberba. Ela mergulha na personagem de forma tão intensa que sentimos profundamente suas dores e ali pelas tantas não dá mais para assistir ao filme sem os olhos marejados.

Um fato que me ocorreu somente assistindo ao filme é a condição de Marcelo Rubens Paiva como tetraplégico. Aliás, preciso ressaltar que ele é um dos meus escritores favoritos e Malu de Bicicleta, meu livro preferido. Feito esse a parte... Não fosse seu pai retirado de forma tão aviltante do convívio de sua família, eles não teriam retornado a São Paulo e, provavelmente, Marcelo não teria estudado em Campinas, onde sofreu o acidente, ao mergulhar num lago e batido com a cabeça, que o colocou em sua situação. 

"Ainda Estou Aqui" é muito necessário e chegou com um timing absurdo de percepção do atual momento do país. Como Eunice respondeu à jornalista, estes fatos precisam ser lembrados para que nunca mais se repitam. Sendo assim, pra todos os criminosos que atentam contra o Estado Democrático de Direito, punição dura e exemplar.

Sem Anistia!!!

PS: excelente trilha sonora. 


Família Paiva


quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Adeus a Vladimir Carvalho #rockbrasilia #legiãourbana #plebe #capitalini...

E a vida não está fácil... Ontem Antônio Cícero, hoje faleceu o professor, cineasta e documentarista Vladimir Carvalho, aos 89 anos. Natural da Paraíba, Vladimir enveredou pelo cinema ainda nos anos 1950, comandando um programa de rádio, em João Pessoa. Na década seguinte fez parte do ‘Movimento Cinema Novo’ ao conhecer Glauber Rocha e Eduardo Coutinho. Nos anos 1970, tornou-se professor de Cinema na UnB. Em 2011, Vladimir lançou o excepcional documentário "Rock Brasília - Era de Ouro", contando a história das três principais bandas surgidas na Capital Federal: Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial. Além de sua obra, Vladimir também se notabilizou pela preservação de um acervo pessoal em memória do cinema brasileiro que incluía livros e equipamentos.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

O Rádio e Eu

 

Minha primeira interação com o rádio data de junho de 1979 e aconteceu por conta do futebol. Meus pais foram ao estádio do Morumbi assistir ao segundo jogo da Final do Campeonato Paulista de 1978 (não, você não leu errado e nem eu me equivoquei nas datas. O Paulistão ´78 começou em agosto de 1978 e terminou só em junho de 1979), entre Santos X São Paulo. Como fiquei em casa, acompanhei o jogo pelo rádio. Confesso que não me lembro de muita coisa deste dia. Lembro-me apenas do gol do Santos e da frustração de ouvir o São Paulo empatar o jogo no último lance do jogo, provocando uma terceira partida.

Depois de um hiato em minhas lembranças, elas reaparecem a partir de 1983. Desde então, o rádio e eu nos tornamos amigos inseparáveis. Ainda ligado tão somente pelo futebol, especialmente porque àquela época jogos transmitidos pela TV eram raros. Clássicos, então, só em final de campeonato e somente no último jogo.

Assim, tive o privilégio de ouvir na rádio Globo o Osmar Santos, conhecido como o Pai da Matéria, tamanho seu talento e capacidade de criar bordões, como "Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha" ou  "Tiro, liro-li, tiro, liro-lá e que gol". As expressões "Capricha garotinho","Não está mais comigo" ou os apelidos de Tamanduá Bandeira, para Serginho Chulapa e O Animal, para Edmundo, mas que ele já tinha chamado o ponteiro direito Almir, do Santos.  

Outro gênio da narração que me marcou foi José Silvério, ainda na rádio Jovem Pan, chamado de O Pai do Gol, por Milton Neves. Aliás, outro que foi meu parceiro de longas jornadas, especialmente aos domingos. Ah, quanta história do futebol eu sei por conta deste jornalista. Ele foi um professor. Aquele intervalo do jogo entre Santos X Fluminense, de 1995, no Pacaembu, é inesquecível.

A partir de 1987 comecei a ouvir música por vontade própria e não mais por osmose, influenciado pelos meus tios. Minha primeira paixão foi a Patrícia, que deixara O Trem da Alegria e lançara um disco solo. Sua canção era "Festa do Amor", tema da novela Bambolê. Depois comecei a ouvir Titãs e Os Paralamas do Sucesso, mais intensamente, além das outras bandas do rock brasileiro da época.

Se o futebol era pelas ondas da AM, na música a sintonia era a FM e passei rapidamente pela Joven Pan, depois Transamérica, até chegar a 89 FM, A Rádio Rock. Nessa época, minha mãe havia ganho um rádio da Sanyo, como presente de aniversário, mas quem vivia com o aparelho era eu. 

E foi ouvindo rádio no verão de 1988 que, enquanto conversava com meu amigo Dimitri, começou a tocar "Faroeste Caboclo", da Legião Urbana. Imediatamente ele me disse “presta atenção nessa música", e eu prestei, e prestei, e prestei por longos 9 minutos. Ao final desta canção, alguma coisa tinha acontecido comigo e eu não estava entendendo direito. Minha reação foi indagá-lo “Dimitri, cadê o seu disco?”, ele já tinha os três discos da Legião. Eu precisava entender aquele João de Santo Cristo, precisava conhecer aquela Maria Lúcia. Ai, sem qualquer exagero, eu nunca mais fui o mesmo.

O rádio continuou ao meu lado e alguns programas eram especiais. Eu gostava muito do 89 Live in Concert, 89 Decibéis, Novas Tendências, 89 Rádio Laser (todos da 89 FM), além do Chá das 5, na rádio Transamérica, onde as bandas nacionais tocavam ao vivo nos estúdios da rádio. Outro programa que ouvi demais foi o No Mundo da Bola, especialmente entre 1995 e 1998, apresentado por Flávio Prado, na Jovem Pan. Ele era especial, pois unia duas grandes paixões, o futebol e a música. Naturalmente, ele abrangia o futebol em praticamente todo o mundo, e em cada canto, um jornalista falava sobre o futebol local e trazia uma música da região. Era demais.   

Também foi o rádio quem esteve ao meu lado quando sofri AVC, em maio de 1994,  ficando internado por 21 dias. Foi ele o meu parceiro durante o governo FHC, no meio de uma terrível recessão e sem empregos. Sem muitas perspectivas eu tive que me virar fazendo jogo do bicho. Pois é, e fiz isso por uns quatro anos. E o rádio estava lá, firme ao meu lado.

E como não lembrar, e ter o desejo ainda mais aguçado em conhecer Paris, quando me vem a memória o saudoso Reali Júnior dizendo, logo pela manhã, "Aqui, Jovem Pan Paris, às margens do Sena, junto a Maison de La Radio, os termômetros marcam 10º graus. Tempo medíocre...”. Bons tempos da Jovem Pan.

Enfim, memórias não me faltam sobre o rádio. Poderia escrever por horas. Mesmo hoje com toda a tecnologia  e velocidade na informação o rádio é fundamental.  O  rádio  ainda  é ágil  e dinâmico e continua indispensável, ao menos pra mim. 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Quando o poeta dá adeus!

O disco "A Tempestade ou Livro dos Dias" foi um trabalho cercado de mistérios. Num primeiro momento a banda finalmente realizaria seu velho desejo de lançar um álbum duplo de inéditas, sonho acalentado desde o "Dois", de 1986. Depois de dois trabalhos solos, Renato estava pronto e, dentro do possível, com muita gana em gravar um disco novinho com a Legião Urbana. Ele sentia saudades... 

Renato também tinha produzido muito material, daí a possibilidade de um disco duplo. Gênios deste quilate, quando percebem que estão próximos do adeus, desenvolvem uma capacidade ainda maior de criação. E Renato escrevia como nunca.

A banda entrou em estúdio em janeiro de 1996, e Renato já dava sinais de cansaço. Por conta disso, Renato gravou quase todo o disco apenas com a chamada voz guia. Desde o já citado "Dois", de exatos 10 anos, aquele foi o primeiro álbum gravado pela banda sem a participação do produtor Mayrton Bahia. Assim, a produção coube ao guitarrista Dado Villa-Lobos, com importante colaboração do músico Carlos Trilha.

Um dos maiores temores de Renato Russo era soar falso a seus fãs. Nesse sentido, escolher a canção “A Via Láctea” como música de trabalho era por demais revelador. Mas ainda tinha mais: ao abrir o encarte do disco, antes de chegarmos as letras, havia uma citação de Oswald de Andrade “O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”. Mais óbvio impossível. Renato era assim, entregava-se de corpo e alma! Um enorme respeito para com o seu público!

O disco abre com “Natália” e seu rock básico que, instintivamente, me remeteu ao álbum “Monster”, do grupo R.E.M, de 1994, aliás, uma das minhas bandas de cabeceira. Obaaa! Um disco de rock! Baixo, bateria e guitarra. Sua letra ácida antecipava os atuais tempos obscuros, onde “a mentira é salvação”. Na mesma pegada, “Dezesseis” contava a saga de João Roberto, um garoto adolescente de classe média que não supera uma desilusão amorosa! Aliás, as citações de Janis Joplin, Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones são incríveis. Certamente muita gente os conheceu por conta desta referência. Já a canção “L´Aventura”, homenagem ao filme homônimo de 1960 de Michelangelo Antonini, trata de amor à maneira Renato Russo. Alguém que marcou demais, se foi, faz falta, mas vida que segue. Tudo muito bem conduzido pelo diálogo entre violões e guitarras de Dado e a batida exata da batera de Marcelo Bonfá.  “Música de Trabalho”, num tom mais lisérgico e um teclado para amenizar, segue com distorções de guitarras e uma bateria rhytthm track, tipo “Perfeição”.

Claro que o clima mais marcante do trabalho está no componente emocional estampado na já citada “A Via Láctea”. Uma canção melancólica e angustiante que desnuda seu autor, a quem a vida parece já ter cansado além da conta. Frases como “Hoje a tristeza não é passageira. Hoje fiquei com febre a tarde inteira. E quando chegar a noite. Cada estrela parecerá uma lágrima” ou “Quando tudo está perdido, não quero mais ser quem eu sou. Mas não me diga isso. Não me dê atenção. E obrigado por pensar em mim”, mostram o quanto era importante, pra ele, ser sincero. Claro que o bom e velho Renato Russo não deixaria de lado suas desilusões amorosas. E elas foram muitas. Assim, ele desfila “Longe do Meu Lado”, “Música Ambiente”, “Mil Pedaços” e “Quando Você Voltar”. Uma poesia melhor que a outra e não necessariamente nessa ordem. Renato não esconde que sempre quis o perigo, mas agora ele estava sangrando sozinho. O poeta estava realmente afiado. E como não se emocionar ao ouvi-lo se despedindo dos pais, do filho e dos amigos na bela “Esperando Por Mim”, já num tom mais alto, com violões e guitarras harmoniosamente aliadas a uma bateria como um mantra. Mais uma letra de arrepiar e, claro, de chorar!

Renato não se esqueceu nem das coisas do dia a dia, como em “Leila”, que retrata uma mulher genuinamente brasileira, guerreira, vítima de algum macho fujão, mas que a sociedade adora julgá-la. E olha que em 1996 não se falava no empoderamento feminino. Aliás, Renato tinha uma sensibilidade absurda, senão, como explicar uma composição como “1º de Julho”, feito à amiga Cassia Eller quando ela estava grávida? Faz todo sentido do mundo ter entrado no repertório deste álbum. Este disco também traz “Soul Parsifal”, uma parceria com Marisa Monte. 

Para fechar o disco, “O Livro dos Dias” iniciada por uma bateria marcial, somado àquele teclado característico da Legião e arranjos de cordas, funcionando com uma suíte. Já a letra... bem!!! Ah a letra! O que concluir dos versos “Meu coração não quer deixar meu corpo descansar”? É meus amigos, o poeta cansou. Como ele mesmo diz em “Longe do Meu Lado”, “Não estou mais pronto para lágrimas”. Eu queria não estar Renato, mas escrever sobre esse álbum torna impossível segurá-las. “Vem de repente um anjo triste perto de mim”!!!

Quanto ao título do álbum, “A Tempestade” era o nome preferido de Renato, seguramente por ser a última peça escrita por Shakespeare. Já “O Livro dos Dias” era o preferido de Dado e Bonfá. Então, juntou-se os dois nomes, no entanto a canção “A Tempestade” ficou de fora. Ela foi lançada somente no álbum seguinte, “Uma Outra Estação”, de 1997. Aliás, pensando na real condição de Renato Russo, e que somente a banda e pessoas muito próximas a ele sabiam, a decisão de não lançar todo o material produzido de uma só vez foi a mais acertada. Então, o que ficou de fora, como a citada “A Tempestade”, pode ser lançado de forma póstuma.

“A Tempestade ou Livro dos Dias” foi a saída de cena de Renato Russo. Um sujeito que não veio ao mundo a passeio. Marcou gerações contemporânea e às futuras. Seu legado permanece tão rico e atual quanto no tempo em que foram escritas. Renato nos faz falta, muita falta, é uma ferida jamais cicatrizada. Só não dá Renato, com todo respeito, pra atender um de seus últimos pedidos, aquele da canção “Música Ambiente”, “E quando eu for embora. Não, não chore por mim”!!!

Silvano Caiçara


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