quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Uma Noite de 12 Anos

E nesta semana pude assistir Uma Noite de 12 Anos, filme que relata o sórdido período em que José Mujica (Pepe), Maurício Rosencof (Russo) e Eleutério Fernández Huidobro (Ñato), importantes ativistas contra o regime ditatorial do Uruguai, ficaram mantidos, não como presos, mas como reféns do exército uruguaio, segundo o próprio comando militar. O trio participava do grupo guerrilheiro Tupamaro e estava preso com outros integrantes da mesma organização. No entanto, pelo fato dos militares os julgarem como líderes do movimento e de potencial risco ao regime, arbitrariamente eles foram mantidos isolados dos demais presos políticos. Aliás, isolados deles próprios, uma vez que não podiam, sequer, comunicar-se entre si. 

Baseado no livro “Memorias del Calabozo”, de Russo e Ñato, o filme aborda sobretudo a violência psicológica a que os três foram submetidos. Deslocados de prisões de tempos em tempos, eles perdem por completo à referência a esse mesmo tempo. Perdem contato com qualquer vida que não fosse a de seus algozes militares. Sem o sol e sem as estrelas enlouquecer é o caminho natural às dificuldades impostas. E é nesse sentido que Alvaro Brechner (diretor) consegue traduzir a angústia dos condenados de forma sublime. O público é jogado pra dentro da história e a empatia é imediata, sentimos seus dramas intensamente. 

Quando o subconsciente fala mais alto como na cena em que Ñato (Alfonso Tort), é apresentado à filha. Ou Pepe (Antonio de la Torre) vislumbrando sua mãe em um dos locais de confinamento. Mesmo quando o talento poético de Russo (Chino Darín) serve às conquistas amorosas dos militares. Além da maneira rudimentar como conseguem se comunicar através de batidas com os dedos nas paredes de suas celas. 

O retrato apresentado em flashback de momentos anteriores às prisões, a emboscada vendida como troca de tiros, artifício comum ao padrão militar tanto lá como cá. A barbárie que são submetidos, permite até mesmo o questionamento da existência de Deus. Pois não há como relacionar tamanha atrocidade e truculência ao Pai. 

O fim do regime militar uruguaio só ocorreu em 1985, quando anistiados, os três personagens retornam à vida. Mesmo com os dissabores da violenta prisão, continuaram na militância e se filiaram a Frente Ampla, movimento de esquerda uruguaia. Eleutério F. Huidobro assumiu a pasta da Defesa durante os governos de Vázquez e Pepe Mujica. Faleceu em 2016, aos 74 anos de idade. Já Mauricio Rosencof, com 85 anos, dedica-se a poesia e ao jornalismo, sendo ainda hoje, diretor de cultura da cidade de Montevidéu. Enquanto Pepe Mujica chegou a presidência do Uruguai em 2010, ficando até 2015, quando tornou-se senador. Deixou o senado em agosto deste ano, alegando cansaço e por querer dedicar maior tempo a divulgação deste filme. 

Traçando um paralelo com o Brasil, é sintomático assistir ao filme num momento delicado como o atual, quando estamos tão perigosamente próximos de um retrocesso brutal, no qual direitos conquistados à custa de coragem, luta e sangue, estão ameaçados. E há ainda este 13 de dezembro, quando, há exatos 50 anos, vivíamos nosso pior momento de repressão e cerceamento à nossa liberdade. A instituição do AI-5 (ato institucional) é uma mancha na história do Brasil. Há pouco mais de 30 anos que o regime militar deixou o poder, mas seu rastro de ódio e covardia ainda se faz presente nas famílias que perderam pais, mães e filhos. Se faz presente quando tentam negar a crueldade de figuras reconhecidamente aviltantes e bárbaras. E o que dizer então, quando são enaltecidas?

“Eu vejo o futuro repetir o passado”

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Pausa para Reflexão!

Impossível passar incólume as duas entrevistas do candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, do PSL, nesta última semana. A primeira, no programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira. Enquanto a segunda, na sexta-feira, no canal Globo News. Analisando a repercussão de ambas, constata-se que quem o idolatra, e o termo é exatamente esse, o faz ou o fará de forma incondicional. Não importa a quantidade de absurdos que fale. Pouco importa a forma simplória como trata assuntos importantes no caos que é o Brasil de hoje. Já quem o julga despreparado ao cargo, tem cada vez mais certeza disso, dada a falta de conhecimento, respostas evasivas e a forma como ataca seus entrevistadores, no melhor estilo Paulo Maluf. Não por acaso, frequentavam o mesmo Partido concomitantemente, no PP. Bolsonaro é o sujeito que acredita fielmente no fale bem ou fale mal, mas fale de mim. E parte de seu sucesso é isso. Tanto para o bem quanto para o mal, ele quer ser o assunto. Com um universo tão grande de eleitores indecisos ou incrédulos, é importante pontuar alguns aspectos de seu discurso. 

Vamos lá: seus eleitores afirmam que os jornalistas não deram espaço para que ele apresentasse suas propostas. Queriam apenas atacá-lo, uma vez que são todos “de esquerda”. Imagina dizer isso dos jornalistas da Globo News? Justo o canal que bancou o impeachment. O canal que quis convencer o povo que abrir mão de direitos seria bom e geraria empregos, e por aí vai. E lembrem-se, tudo isso decorridos no curto prazo de apenas dois anos. Agora, voltando às suas propostas. Quando perguntado, por exemplo, sobre seu plano econômico, o candidato diz que isto é com Paulo Guedes, até o apelidou de Posto Ipiranga (meu DEUS!). Questionado sobre o que fazer numa eventual ruptura com o economista, sua resposta é de que esta hipótese é impossível. Imagina isso? Não só não tem uma alternativa, como não diz como será seu plano de governo neste sentido, não aponta um rumo. 

No Roda Viva, quando interpelado sobre o crescimento da taxa de mortalidade infantil, não por coincidência, posterior a implementação da PEC 55 (conhecida como a PEC do fim do mundo), sua resposta é que o maior problema está na higiene bucal das gestantes. Tal situação aumentaria o risco de bebês nascerem prematuros. Nenhuma menção, por exemplo, ao déficit de saneamento básico no Brasil, hoje, superior a 50%. Diga-se de passagem, ele tem repetido essa resposta sistematicamente por onde tem propagado seu discurso. O candidato parece aquela criança que aprendeu uma palavra nova e fica eufórico em poder dizer ao mundo que a aprendeu. Aliás, poderia ao menos ser original, uma vez que associar cárie ao bom estado de saúde de modo geral, já foi feito em 1958, pelo dentista Dr. Mario Trigo, da seleção brasileira de futebol, durante a preparação dos jogadores da Copa do Mundo na Suécia, do mesmo ano. 

Sobre a Previdência, o candidato manifestou-se apenas quanto a idade de 65 anos, afirmando que não passaria por ser ano de eleição. Logo, pra ele, esta idade é razoável, acusando a esquerda de manifestar-se contra por exagerar ao dizer ”que aí só vai se aposentar quando morrer”. Nas palavras do próprio, que estava no Piauí, à época, e teve acesso ao Atlas demográfico local e verificou a informação de que "não é bem assim", uma vez que a expectativa de vida no estado é de 69 anos. Simplesmente brilhante. Então, na cabeça dele, quatro anos para gozar da aposentadoria é mais que justo!!! 

Em relação a questão do armamento à população, um raciocínio simples formulado pela jornalista Daniela Lima, da Folha de S.P, mostrou que essa questão não é bem assim. Já a sua resposta foi absurdamente infantil: ”É só você não comprar arma. É simples ”. O pior é que seus seguidores atribuíram genialidade a essa resposta. Talvez neste ponto, por ele (e não o Paulo Guedes) ser um militar, é que o candidato poderia mostrar números, explanar algo concreto. Porém nenhum argumento foi apresentado para justificar sua tese. Aliás, no canal Globo News, no mesmo assunto, Bolsonaro marcou um belo gol contra. Questionado sobre a eficácia de tal medida, uma vez que estudos feitos pelo mundo apontam o caminho inverso, respondeu ”se armas causassem essa explosão de morte, os Estados Unidos seriam o país mais violento do mundo”. 

O candidato também gosta de dizer que representa o novo, muito embora esteja no Congresso há quase três décadas, com mandatos improdutivos, tendo somente dois projetos aprovados. Não satisfeito, já encaminhou três de seus filhos como deputados federal e estadual, e também como vereador. Se diz contrário a cotas de inclusão por considerá-las um privilégio que promove injustiças. No entanto, quando perguntado sobre auxílio moradia, diz que está na lei. E pior, em ambos os programas devolveu a pergunta questionando o fato de que alguns jornalistas recebem seus salários como PJ. Ou seja, ele não enxerga, ou finge não enxergar, diferença entre salários e privilégios. 

Muitas das perguntas no canal Globo News viam com a expressão ”ah, meu Deus do Céu”, como quem diz: sério que você está me perguntando isso? Quanto à questão da Ditadura Militar e suas torturas é um caso à parte. Tamanha foi a arbitrariedade do regime que, pra ele, é melhor esquecer este passado. Tão grave quanto algumas manifestações estapafúrdias, não nos esqueçamos que o mesmo adora propagar Fake News. Esse artifício é absolutamente inconcebível para alguém que pretende chegar ao cargo máximo de um país. 

Enfim, é lamentável constatar que Jair Bolsonaro prega para convertidos, assim como Edir Macedo. Em ambos os casos não adianta você falar, apresentar argumentos, apontar as feridas. Estes líderes, sabiamente, dizem o que seus seguidores querem ouvir. Mesmo que seus argumentos sejam rasos!